Tão polêmico quanto falar dos crimes na internet é definir o conceito de Direito Digital, também chamado de Direito da Internet. Há quem o considere como um novo ramo do Direito e quem afirme que o Direito Digital não pode ser considerado como um segmento como o Direito Civil, Penal e Trabalhista.
O fato é que os comportamentos humanos estão cada vez mais relacionados ao meio ambiente digital e, com isso, a área do Direito precisou evoluir, a fim de acompanhar estas mudanças e impor regras para proteger a população muito além do direito de ir e vir em território nacional, mas sim, na sua jornada como usuários da internet.
Assim sendo, foi instituído o Marco Civil da Internet, o qual é chamado por alguns de Constituição da Internet.
O que é o Marco Civil da Internet
Sancionado em 2014 pela então presidente Dilma Rousseff, a Lei N° 12.965/2014 “estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil”.
Ao fixar as diretrizes básicas do uso da internet no Brasil, esse Marco Civil determina que o ambiente virtual também é regulamentado pelas regras de Direito Civil, comercial e do consumidor, por exemplo. O seu intuito é garantir a liberdade de expressão e a manutenção da privacidade de quem navega na rede.
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Como funciona o Marco Civil da Internet
O foco principal do texto do Marco Civil da Internet é a neutralidade de rede e o tratamento dos dados pessoais dos usuários.
Neutralidade de rede
A também intitulada neutralidade da Internet baseia-se no princípio de que todas as informações que trafegam na rede devem seguir padrões a fim de que todos os usuários tenham acesso a mesma velocidade ao navegar na internet, possam acessar qualquer tipo de conteúdo sem que a sua autonomia seja ferida, bem como nenhuma aplicação por consumo de banda larga ofereça restrições de uso.
Tratamento dos dados pessoais dos usuários
É o caso do acesso às conversas de aplicativos de mensagens instantâneas, as quais só podem ser visualizadas por meio de ordens judiciais e somente para fins de investigações criminais.
Em suma, a lei prevê que o tratamento dos dados pessoais dos usuários seja realizado garantindo-lhes a privacidade, através da inviolabilidade e sigilo das comunicações online, ao regular as situações em que os dados dos usuários podem ser monitorados, filtrados, analisados e até fiscalizados
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Direito Digital no Brasil
Além do Marcos Civil da Internet, outras leis abordam o Direito Digital no Brasil, como:
- Lei Nº 12.737/2012: também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, visto que, foi inspirada em um caso particular da atriz, esta lei introduziu três tipos penais específicos envolvendo crimes informáticos:
- invasão de dispositivo informático alheio (artigo 154-A do Código Penal);
- interrupção ou perturbação de serviço telegráfico, telefônico, informático, telemático ou de informação de utilidade pública (artigo 266, §§ 1º e 2º do Código Penal);
- falsificação de cartão de crédito ou débito (artigo 298 do Código Penal).
- Decreto Nº 7.962/2013: com este decreto, o Código de Defesa do Consumidor foi regulamentado, a fim de abranger também a contratação no comércio eletrônico. Desta forma, foi possível obter esclarecimentos sobre o atendimento ao consumidor em relação às compras realizadas pela internet, compras coletivas e o direito de arrependimento em comércio eletrônico.
- Lei Geral da Proteção de Dados (LGPD): complementará as disposições constantes do Marco Civil da Internet sobre a questão de coleta, uso, armazenamento, tratamento, compartilhamento e exclusão de dados pessoais e dados pessoais sensíveis. Até agosto de 2020, as empresas brasileiras deverão estar em conformidade com a LGPD, caso contrário, poderão sofrer com multas entre R$ 50 milhões ou 2% do faturamento total da empresa.
Apesar do Direito Digital parecer abrangente, no quesito legislativo e interpretativo, no Brasil, não há um tribunal específico para julgar delitos que ocorrem no ambiente virtual.
Assim sendo, alguns desses dilemas são resolvidos com a criação de novas normas. Já outros são julgados em tribunais superiores, a partir de uma legislação mais antiga, ou seja, que já foi estabelecida antes da existência do Direito Digital.
Um exemplo disso pode ser o estelionato na internet. Mesmo a vítima sendo brasileira, se o crime for praticado em outro território, a punição do infrator vai depender também de normas de cooperação com outros países.
Desafios do Direito Digital
A área do Direito, tradicional por sua essência, precisa, a todo instante, se reinventar para acompanhar os novos desafios do Direito Digital. Assim sendo, as instituições jurídicas vão se adaptando conforme vão surgindo novos dilemas legais, provocados pela evolução tecnológica.
Conforme consta em um artigo, publicado no blog da Faculdade de Rondônia, os principais desafios do Direito Digital são:
Insegurança jurídica
O cenário atual está cercado por dúvidas sobre como pensar o Direito em uma sociedade tecnológica e cada vez mais ampla. Sem contar que as leis responsáveis por regulamentar as relações digitais ainda são escassas e carecem de maior clareza.
Velocidade das mudanças tecnológicas
A velocidade com que as tecnologias são incorporadas ao cotidiano das pessoas gera grandes dificuldades, principalmente quando se busca o acompanhamento simultâneo das mudanças. Logo, mesmo com o esforço de legisladores e operadores do Direito, sempre existe uma zona de incerteza sobre as normas em ambiente digital.
Abrangência da regulamentação
A maioria das relações jurídicas encontra seu par em ambiente digital, como trabalhar, realizar comércio, pagar impostos, cometer crimes etc. Por isso, o ramo demanda uma regulamentação bastante abrangente, exigindo a criação ou adaptação de um grande número de normas para uma tutela adequada das condutas humanas.
Visão tradicionalista do Direito
Uma regulamentação adequada do Direito Digital requer a transformação de muitos dos conceitos jurídicos clássicos e sedimentados durante séculos, a fim de os ajustar às características inerentes aos tempos atuais.
Não por acaso, vencer a resistência filosófica, dentro de uma área tão tradicionalista como o Direito, é um desafio a ser superado, e os profissionais precisam ficar atentos a isso.
Direito Digital e a prática de crimes
Só para se ter uma ideia, a pena para o crime de invasão de um dispositivo informático é de 3 meses a um ano de detenção, mais multa (com agravantes) ou então, de 6 meses a 2 anos de reclusão, além de multa em situações mais graves (também com possíveis agravantes que aumentam a pena).
Mesmo assim, grande parte dos crimes digitais não estão previstos em lei. O Brasil está entre os cinco países que mais têm usuários da internet por número de habitantes e para isso, nada mais justo que os excessos cometidos atrás do teclado sejam punidos de forma adequada.
Além de crimes como vazamento de dados pessoais e sensíveis, exposição de arquivos e fotografias, sem o consentimento do autor e a pirataria de um modo geral, no Brasil, o crime digital mais comum é a fraude bancária.
Ocasionada pela invasão de computadores, captura do número do cartão de crédito e descoberta de senhas bancárias, este crime costumar ser ressarcido pelo banco do usuário e o autor do crime, muitas vezes, não costuma ser penalizado. Até porquê, geralmente nem é encontrado.
Neste caso, é muito importante registrar o crime na delegacia de polícia civil. Quando há uma fraude bancária deste tipo, é preciso que a vítima registre, a fim de que o valor seja estornado à ela. E também ajuda nas investigações para mapear as quadrilhas que praticam o crime.
Outro caso que ocorre com frequência, no país onde os habitantes gastam até 3 horas por dias em redes sociais, é a clonagem de uma página de relacionamento. Para isso, uma das medidas a ser tomada é procurar pela entidade SaferNet Brasil.
A ONG é referência nacional e atua no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet, enfrentando crimes cibernéticos e firmando acordos de cooperação com instituições governamentais, como o Ministério Público Federal.
Em um país que ainda engatinha na evolução do Direito Digital, comparada à velocidade e o constante aumento dos crimes na internet, instituições não governamentais, como a SaferNet Brasil precisam tomar a frente e ajudar os usuários a denunciarem quando se sentirem desamparados juridicamente.
Conclusão
O percurso da elaboração de leis apropriadas ao contexto digital, bem como suas aplicabilidades, ainda está sendo trilhado e parece ser longo.
É difícil compreender que no Brasil, se um computador ou celular é invadido, a lei só se aplica se estes aparelhos tiverem uma senha ou um dispositivo de segurança. Caso contrário, esta invasão não é considerada um crime. Seria o mesmo que, alguém não ser julgado por invadir a sua casa, pelo fato de você não ter trancado a porta?
Apesar do amparo civil, a legislação digital no Brasil apresenta falhas, principalmente relacionadas a manutenção de privacidade, no que tange à proteção de dados do usuário.
Perante este cenário, o que nos resta é aguardar as mudanças oriundas da adesão à Lei Geral de Proteção de Dados. Até lá, todo cuidado é pouco.